domingo, 19 de dezembro de 2010

"O Estado deve fazer o que é útil. O indivíduo deve fazer o que é belo".



Dando seguimento aos ressuscitados, meu segundo candidato à volta ao convívio é o escritor, poeta e dramaturgo irlandês Oscar Wilde.
Wilde sempre me impressionou pelas suas frases de efeito críticas, inteligentes e desaforadas, tipo:


"A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre".

"O descontentamento é o primeiro passo na evolução de um homem ou de uma nação".

"Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal".


Li O Retrato de Dorian Gray, seu único romance, há muito tempo atrás, e fiquei impressionada com a chatice da Inglaterra vitoriana, com seus lordes e hipocrisias. Não à toa se diz que "Wilde era gay e escreveu O Retrato de Dorian Gray, e foi preso porque era gay e porque escreveu O Retrato de Dorian Gray, e escreveu O Retrato de Dorian Gray porque era gay".
Mas descobri depois que Wilde se definia como irlandês, republicano e socialista. E aí reside uma ligação entre este ressuscitado e o anterior, além da contemporaneidade: quando Wilde nasceu, Marx já tinha cerca de 36 anos e já havia disseminado muito do seu pensamento na Europa (e eram muitos os pensamentos que rolavam por lá).
Todavia, o dito socialismo de Wilde se assentava em dois pilares: o individualismo e o esteticismo. Acreditava num direito fundamental a "estar liberto da miséria e da exploração capitalista para buscar a plena realização individual (idéia aliás nada estranha a Marx), que passa inexoravelmente pelo desfrutar da estética. Assim, um mundo privado do belo e da capacidade de o produzir e apreciar é um mundo oprimido, e por isso não faz sentido dissociar ética de estética, a não ser numa lógica capitalista que condena o ser humano a mera força laboral a serviço de outra causa que não a felicidade individual (e logo comum, ou vice versa)".
Dessa forma, Wilde poderia voltar e retomar suas atitudes extravagantes, fundando um novo "dandismo" para impor o belo como antídoto para as feiúras de nossa sociedade. Se, em sua primeira vida deitou abaixo a hipocrisia e podridão das classes poderosas na Inglaterra vitoriana, imagine do que seria capaz se dispusesse de um programa de variedades em horário nobre da Globo!








quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Os Ressuscitados


Recentemente, o artista plástico pernambucano Gil Vicente foi enormemente criticado por sua série denominada “Inimigos”, na qual, em autorretrato, ameaça matar importantes líderes locais e mundiais.

Li diversos comentários sobre o fato de a obra incitar a violência, ser de mau gosto, ser ou não arte, etc., etc., e comecei a refletir sobre a contradição que a própria obra encerra: ao invés de matar, que pessoas do mundo eu gostaria de ver ressuscitados? Que bem essas pessoas poderiam trazer ao mundo de hoje? Assim, logo comecei a pensar nos candidatos, e o primeiro que me veio à cabeça foi Karl Marx: como o filósofo da práxis analisaria a realidade do capitalismo mundializado, mais conhecido como globalização, nos nossos dias? Que luzes traria para nós no enfrentamento da pós-modernidade? Apontaria saídas, caminhos, possibilidades? Certamente ficaria imensamente chocado com a complexidade das relações internacionais, com o aprofundamento das desigualdades, com os modelos de produção (a exemplo da China).

Fico imaginando a figura de Marx dando umas voltinhas pelo mundo, patrocinado pelo WikiLeaks para realizar uma análise geral a ser divulgada na internet. Também o imagino observando atentamente os diversos locais de estudo, fazendo anotações e incomodando a todos com sua presença marcante. Curiosamente, Marx é descrito por um amigo russo que não consegui descobrir o nome, da seguinte forma:

"Ele representa o tipo de homem constituído por energia, força de vontade e convicção inflexível, um tipo que também segundo a aparência era extremamente estranho. Uma grossa juba negra sobre a cabeça, as mãos cobertas pelos pêlos, o paletó abotoado totalmente, possuía contudo o aspecto de um homem que tem o direito e o poder de atrair a atenção, por mais esquisitos que parecessem seu aspecto e seu comportamento. Seus movimentos eram desastrados, porém ousados e altivos; suas maneiras iam frontalmente de encontro a toda forma de sociabilidade. Mas eram orgulhosas, com um laivo de desprezo, e sua voz aguda, que suava como metal, combinava-se estranhamente com os juízos radicais que fazia sobre homens e coisas. Não falava senão em palavras imperativas, intolerantes contra toda resistência, que aliás eram ainda intensificadas por um tom que me tocava quase dolorosamente e que impregnava tudo o que falava. Esse tom expressava a firme convicção de sua missão de dominar os espíritos e de prescrever-lhes leis. Diante de mim estava a encarnação de um ditador democrático, assim como se fosse em momentos de fantasia."

Esse homem meio esquisito e curioso estudava cerca de 15 horas por dia, escrevia demais e, dizem, sempre sentava no mesmo lugar (cada qual com suas manias...). Viveu e morreu pobre.

Contudo, ele voltando, contaríamos com alguém que tinha como preocupação central de sua vida conhecer e transformar a realidade, tendo por isto direta ou indiretamente dedicado sua vida às lutas operárias.

Então: Viva Marx!

Tenho em mente outros nomes a ressuscitar, mas isto só na próxima postagem.



segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Cidadania deambulatória


Exercitar a cidadania deambulatória - conceito de Francisco Cunha para quem gosta de andar pelas ruas da cidade - tem sido algo mais que difícil. Como no meu trabalho (Hospital da Restauração) encurtaram o tamanho do estacionamento para criação de uma pequena praça de alimentação, tenho ido dar meus plantões de táxi, de carona ou de ônibus. Aproveito para voltar a pé, andando cerca de 4 km até minha casa, o que faço sem grandes esforços.
O problema é a caminhada pelas ruas e calçadas da cidade, que começo a redescobrir por outro ângulo que não a janela do carro. Descubro que, infelizmente, a cidade se adaptou aos carros e não aos pedestres. Tudo "funciona" em função dos veículos: o tamanho das ruas, a velocidade permitida, o tempo dos sinais. Quem vai a pé, então, tem que se adaptar a isto, e não o contrário. Respeita-se o carro, e não o pedestre. Os ciclistas, então, são como muriçocas loucas, desviando-se assustados a cada momento dos carros e dos ônibus, de quem escapam não sei como. As motos são algo insuportável: aparecem de todos os lados, recortam por entre os carros e usam insistentemente aquela buzininha aguda que, vamos e viemos, é de enlouquecer.
A caminhada fica prejudicada pelo fato de, além de ser feita entre todos esses veículos desvairados, também é cheia de obstáculos como: buracos de diversos tamanhos, com ou sem água suja; raízes das centenárias árvores que não são contidas e acabam ocupando toda a calçada, levando o deambulante a ter que circulá-la pela via dos carros ou se espremendo nas paredes (viva as árvores, é só preciso um cuidadozinho); a solidão dos deambulantes, pois é pouca a quantidade de gente que ainda se arrisca a andar longos trechos, por razões que, creio, tem a ver com a vida sedentária e o medo da violência. Por fim e para não me alongar, a falta de iluminação pública (porque alguém pode chamar de iluminação essas luzes amarelas que mais parecem candieros do início do século XIX?).
A cidade acaba sendo opressora para o transeunte, que se resigna e acaba utilizando algum tipo de veículo que não suas próprias pernas.
Hoje, ao voltar para casa andando, fiquei pensando por quanto tempo ainda isso durará ou quando vou poder utilizar uma bicicleta. Imaginei, baseada no nosso baixo nível de participação nas decisões de como deveria ser a cidade em que vivemos, que uma mudança satisfatória não se dará antes de mais outros 500 anos. Infelizmente, não vou durar tanto. E como não posso esperar, resistirei! Vou continuar caminhando e reclamando até conseguir um calçadão.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Tomar um deforete


Com o retorno de Clarice à terrinha, perdi a principal temática motivadora do blog Viagem com ela. Mas como gostei muito da experiência de escrever as bobagens que me vinham à cabeça e que acabavam me dando estímulo para a pesquisa de temas diversos, resolvi continuar escrevendo.
Pensando sobre o que especificamente escrever, decidi que não queria um foco específico em algum tema, como era o caso do Viagem e do blog institucional que também começo a desenvolver.
Como gosto imensamente de ler e escrever, penso em falar sobre as diversidades, curiosidades, bobagens e outros afins que garimpo nessas leituras e convívios e que são um "deforete" na vida.
Segundo o Dicionário Informal, deforete significa descansar.
No Dicionário de Termos Nordestinos, de Gilberto Albuquerque, significa: escapada, mudar de vida. Enfim, tomar um deforete é arejar a mente, desestressar, fazer coisas legais, encontrar outras convergências.
Assim, a partir de agora a viagem não é mais com alguém especificamente, mas com muitas outras possibilidades.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

De onde você vem?


Há muito achava que saber para onde ir, no sentido do que fazer da vida, além de ser algo muito cobrado socialmente, era uma das coisa mais importante a se perseguir. Minha geração herdou muitas possibilidades de construir caminhos nunca antes trilhados e isso foi muito bom. Dentro de certos limites, conseguimos ser muitas coisas: profissionais, mães, companheiras, etc., etc. Nunca que vó Petronilla podia imaginar que as mulheres pudessem fazer parte das coisas que fazem hoje. Vó ficava enlouquecida quando eu chupava abacaxi ou tomava suco de limão ou ainda lavava a cabeça estando menstruada! Achava também que certos aspectos da relação entre homens e mulheres "eram assim mesmo", sinônimo de que nunca mudariam. Vó foi uma mulher arretada, que criou nove filhos em um tempo de muita dificuldade. Fez um feito.
Hoje fazemos esse e outros feitos, e esses tem suas raízes nas nossas heranças familiares: no que as pessoas construíram antes de nós e que nos propiciaram a oportunidade de formatar caminhos diferentes, baseados nos velhos erros e acertos, deles e nossos.
Em suma, para onde vamos, depende, e muito, de onde viemos. Ter acesso a oportunidade de convívio saudável com as pessoas, especialmente dentro da família, pautado numa ética e moral que constroem valores como dignidade, solidariedade, respeito, entre outros, "limpa" o caminho para onde vamos.
Sei hoje que onde vou ou estou teve grande participação meu pai, mãe, vó Petronilla, tia Lurdes, tia Nevinha e outras tantas figuras que passaram pela minha vida, compondo um grande retrato de família às vezes em branco e preto e outras vezes a cores. Retrato que tenho o maior cuidado de preservar para que não desbote, deixando as pessoas não mais identificáveis.