sábado, 16 de abril de 2011

Síndrome de Estocolmo



Adquiri a Síndrome de Estocolmo após exposição sistemática e progressiva à cidade do Recife. É uma nova doença, nada rara, recentemente diagnosticada e com alto grau de letalidade depois de instalada. Geralmente leva muito tempo para apresentar os sintomas, uma vez que a capacidade de obnubilar as idéias é uma de suas características principais, e pareçe ter relação com a Síndrome do Emputecimento Progressivo (nesta, você fica puto, geralmente tem acessos incontroláveis de impropérios, mas nada mais que isto).
Já na Síndrome de Estocolmo, os acometidos geralmente desenvolvem uma grande ojeriza à cidade em que moram, desencadeada pelas impossibilidades de sobrevivência nos espaços coletivos: a violência, o trânsito, a sujeira, o fedor e os esgotos a céu aberto são fatores desencadeantes e a falta de perspectiva é altamente agravante. A cegueira noturna, por falta de iluminação suficiente, geralmente provoca acessos de terror e encastelamento em suas vítimas.
Os acometidos pela Síndrome de Estocolmo sempre que entram em crise ficam estranhamente motivados, mas é muito comum voltarem ao normal após alguns safanões de amigos sempre dispostos a ajudar.
Infelizmente para os pacientes, a única possibilidade de cura é se mudar para Estocolmo, na Suécia, porque foi acidentalmente descoberto nas similitudes geográficas o vislumbre telúrico de um Recife possível que, mesmo que apenas quimérico, faz com que os desafortunados acreditem que a cura aqui ainda é possível.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Incivilidade

Vendo um documentário sobre Rose-Marie Muraro, em que ela expressa seu sofrimento diante da barbárie do mundo globalizado, me identifiquei  com sua profunda dor e também sofri, pois reconheço as incivilidades do dia a dia. Não confundir com desobediência civil.
Incivilidade é desrespeitar normas básicas de convivência coletiva; fazer ao outro o que não quero ou desejo, egoisticamente, para mim próprio em casa, na rua, no trânsito, nos hospitais, nas escolas, etc.
Não vou me referir aqui aos processos econômicos-sociais presentes ou mesmo determinantes dessas relações, e negação histórica da possibilidade de desenvolvimento humano da nossa sociedade. Quero me referir de forma rasteira à incivilidades rasteiras: aquelas que vão se acumulando e ao longo dos anos nos levam à Síndrome do Emputecimento Progressivo - SEP, diante da qual também temos pouquíssima chance  de enfrentamento sem sermos considerados chatos, velhos, e outros adjetivos. 
Exemplos, na minha opinião, de incivilidades:

  • o trânsito da cidade, cada vez mais devagar e com os motoristas tentando passar na frente de qualquer jeito. Aqui não há gentileza e o que importa é vender mais e maravilhosos carros, seus acessórios e combustíveis. Transporte coletivo é para gente pobre, sem posses. Não importa a degradação do meio ambiente e das pessoas;
  • cocô de cachorro nas calçadas: além dos buracos e águas escorrentes, temos também que driblá-los. Me vingo imaginando obrigar os donos dos mesmos a pegá-los e...
  • aparelho de som de última geração do vizinho, ligado no mais alto volume em música de baixa qualidade (nem que fosse boa!), no seu pé de ouvido o dia inteiro. Som ambiente. Nesses casos, fico desejando um apagão ou uma explosão das caixas de som;
  • carros de propaganda pelas ruas chamando os fregueses para aquelas ofertas imperdíveis ou fazendo propaganda eleitoral. Tem também uns caras que colocam caixas de som enormes na mala dos carros e saem poraí nos obrigando a ouvir suas músicas horrorosas. Por que não compram um fone de ouvido enorme e explodem seus próprios tímpanos?
  • pessoas que lançam nas ruas embalagens de alimentos ou latas de refrigerantes e outras coisas pelas janelas de ônibus e carros;
  • motoristas de ônibus que dirigem como se fosse passar por cima de todos os carros menores. Arrancam violentamente e freiam como se estivessem carregando bois e vacas;
  • grandes festas de rua em locais onde não cabem tantas pessoas, a exemplo do Sítio da Trindade no São João; Olinda no carnaval ou o Marco Zero, no Recife. Quando tudo termina, além dos mortos e feridos, resta-nos várias toneladas de lixo que levam dias para serem retiradas, sem falar dos detritos que permanecem  para sempreno leito dos rios;
  • Ser obrigada a pagar ao flanelinha para estacionar na rua, depois de ter pago vários impostos para trafegar por elas (coitado, sei que se trnasformou no ganha-pão, mas...);
  • Ser obrigada a deixar os rapazes "limparem" o parabrisa do carro com medo de ser agredida (idem ao ganha-pão), mas;
  • lucro, mercado, economia, bolsa de valores, over, dólar, tigres asiáticos, vender, comprar, comprar, vender tudo, qualquer coisa, tudo tem seu preço, coisas, amores, pessoas;
  • .........
  • .........
  • .........
Tem remédio para SEP? vacina? alguma coisa? 
Dizia o Profeta Gentileza que gentileza gera gentileza e que "Só com Gentileza superamos a violência que se deriva do capeta-capital”. 
Diz Leonardo Boff que o espírito de gentileza nunca ganhou centralidade, por isso somos tão vazios e violentos. Hoje ele é urgente. Ou deciframos uma maneira de praticar a gentileza ou nos entredevoraremos. Concordo com ele.






terça-feira, 1 de março de 2011

Neste fim de mês, eu e mais um milhão de pessoas tivemos muitas dificuldades e contratempos com as coisas práticas(?) da vida de servidores públicos, por conta da mudança da instituição bancária responsável pela efetuação dos nossos vencimentos. 
Com as mudanças em vigor, nós aqui em casa agora penamos por cinco instituições financeiras diferentes para recolher as moedas: Santander (ex-Real e ex-Bandepe); Banco do Brasil, Caixa Econômica, Itaú e agora o Bradesco. Isto significa logística para ficar ligados nos dias de pagamento; na memorização de todas as senhas de 4 e 6 dígitos, fora a senha de internet de cada banco e, principalmente, nos processos que teremos de lançar mão para otimizar o tempo gasto para  administrar tudo isto.
Apesar de tão alardeadas tecnologias adotadas pelos bancos atualmente, precisei ir duas vezes na agência do Bradesco para resolver problemas tecnológicos de vinculação entre o cartão de débito e uma chave numérica criada para minha segurança: tão segura, mas tão segura, que nem mesmo eu pude ter acesso ao meu dinheiro. O meu marido já foi duas vezes à sua nova agência do Itaú (uma para pegar o cartão; outra pra pegar a chave com as senhas, que não foi entregue da primeira vez) e deverá ir ainda mais algumas vezes até conseguir que as senhas funcionem.  Não vou me deter aqui nas horas gastas com o Fone Fácil(?) de cada Banco.
Agora vai ser igual àquele bloco carnavalesco De Bar em Bar: eu, de banco em banco  recolhendo meu dinheirinho. Ainda nem pensei nas taxas diversas de todos os bancos: da emissão da folha de cheque, da compensação do cheque, do doc, da manutenção da conta, da atualização do cadastro da conta, da manutenção do cartão, de passar pela porta rotatória, de falar com os funcionários, de permanecer muito tempo na fila em pé, outra quando ficar sentada, e de respirar o ar refrigerado gentilmente oferecido para o meu conforto dentro das agências. Tudo devidamente autorizado pelo Banco Central.
Então, fiquei pensando, pensando, e me ocorreu uma solução interessante para gente que nem eu, com pouco dinheiro e muito banco, baseada num sistema parecido com o dos cartões de milhagem, como o Smiles, Multiplus, etc.. 
Acho que deveria ser criado o Cartão Comprime. Parente do Cartão Prime, já distribuído pelo Bradesco entre servidores diferenciados, o Comprime seria o cartão único do servidor e evitaria a necessidade de tantas senhas.
Você teria apenas um número de conta centralizado em uma única instituição, a qual ficaria responsável por fazer o trabalho de recolhimento entre os diversos bancos e creditar os salários dos servidores optantes, como uma Really Simple Syndication ou RSS na internet: o que nos interessa, pode vir até nós. Os governos, obviamente, subsidiariam os custos operacionais do serviço.
Junto ao Cartão Comprime, seria criado o Programa Deprime que, através de um sistema de pontuações adquiridas de acordo com o uso do Cartão Comprime, propiciaria ao servidor optar pela troca dos pontos por isenção de taxas, fornecimento de talões de cheque e bônus em dinheiro para incremento dos salários.
Fico aqui pensando muitos outros programas que poderiam ser criados para compartilhamento de benesses para todas as partes envolvidas nestas mudanças organizacionais que vivenciamos nos tempos modernos e que, com certeza, trariam muita eficiência e satisfação aos servidores.






terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Henry

Sempre que me arreto com as injustiças cotidianas da vida em nosso tipo de sociedade, como: o aumento desmensurado dos salários dos políticos, enquanto que os demais trabalhadores permanecem arroxados; pagar muito imposto e não vê-los remetidos para as políticas públicas; pagar altos preços por educação e saúde justamente porque os recursos para esses setores vão parar sabemos onde; ver a cidade degradada, suja, mal iluminada, sem conservação, etc. etc. etc., lembro daquele texto de Henry David Thoreau.
Falo da Desobediência Civil, escrito em 1848 e que influenciou profundamente pessoas como Mahatma Gandhi, Leon Tolstoi, Martin Luther King, ecologistas, anarquistas, hippies e malucos de várias gerações. Thoreau nasceu em 1817, nos Estados Unidos. Foi poeta, naturalista, ativista anti-impostos, pesquisador, historiador, filósofo e transcendentalista, enfim, um homem à frente de seu tempoModerno, já naquele tempo discutia questões ambientais.
Eu, como simpatizante da deambulação urbana, achei muito simpático seu texto intitulado "Andar a pé", embora Henry propusesse que isto fosse feito nos bosques e florestas. Admiro sua maneira de ver o mundo, propondo a vida com o necessário. E não era homem de retóricas, por isto foi viver no campo, em uma minúscula cabana, para ter maior contato com a natureza. Discordava do uso dos impostos para financiamento de guerras, e por isto recusou-se a pagá-los, tendo sido preso por este ato de desobediência civil.
Tenho para mim que este tipo de resistência não-violenta às ações do Estado deveria ser mais empregada. O que aconteceria se nos recusássemos a pagar, por exemplo, os impostos usualmente revertidos para financiamento de bancos privados? E os que financiam os grandes conglomerados multinacionais para que aqui se instalem, degradem o meio ambiente e paguem salários irrisórios aos trabalhadores? Chamam a isto de desenvolvimento. Será mesmo?
Com este tipo de idéia, ao contrário do que se poderia pensar, Thoreau não defende a anarquia, pois desejava algo muito contemporâneo: “Desejo imediatamente é um governo melhor, e não o fim do governo.”
Sua crítica é remetida àqueles que obedecem o governo sem pensar, sem questionar se as ações dos governantes são certas. 
Assim, ressuscitaria Henry para que ele, caminhando pelas ruas da cidade - já que não temos bosques ou florestas - nos lembrasse que:


“O direito à revolução é reconhecido por todos, isto é, o direito de negar lealdade e de oferecer resistência ao governo sempre que se tornem grandes e insuportáveis sua tirania e ineficiência.”


“Diante de um governo que prende qualquer homem injustamente, o único lugar digno para um homem justo é a prisão inevitavelmente.” 


“Sai mais barato sofrer a penalidade pela desobediência do que obedecer.”